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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O tempo passou e me formei em solidão

          Estava eu a pensar que hoje em dia, as pessoas vivem enclausuradas em suas casas, com medo de sair à rua, de visitar os amigos, de jogar conversa fora, de bater aquele papo gostoso que outrora ficávamos horas conversando, e como achávamos assunto e dos mais inusitados e animados possíveis. Era uma amizade sadia e gostosa. Os amigos eram irmãos e por eles, nutríamos uma verdadeira paixão. No momento presente, temos muitos amigos, mas, são amigos virtuais. Só que, vejo a nossa amizade virtual, como uma amizade que transcende a virtualidade da relação e chega à realidade pessoal, pois nos conhecemos, falamos de muitas coisas, até pessoais, do nosso convívio em casa, dos problemas de saúde, dos problemas de violência, dos problemas de baixa estima, das alegrias e momentos felizes que nos acontecem. A cada dia, é a história de um amigo que é exposta para nós e, percebemos a preocupação que há entre todos em buscar uma solução. Viram, deixou o campo virtual e passou para o lado pessoal. Não temos como negar essa situação. Assim é a nossa amizade, pelo menos, é assim que a considero e, como já falei em outras ocasiões, é uma amizade de amor, de comunhão de pensamentos, de unidade na solidariedade, que conhece o verdadeiro sentido do "ser" amigo, do "ser" irmão, de "se preocupar" um com os outros, sem interesse algum, apenas viver da aproximação de ideais em busca da lapidação de sentimentos reais, os quais nos conduzem ao encontro de uma verdadeira amizade, a caminho da felicidade, não nos esquecendo de que chegamos a essa condição de vida, seguindo os passos do Mestre Jesus, que é a luz que ilumina os caminhos que trilhamos.
  
          Enquanto escrevia a introdução deste texto, ia vislumbrando alguma crônica para adicionar como mensagem para vocês, e percebi a chegada de um email de uma amiga muito querida, a Eva Bueno Marques. A crônica reflete meu pensamento e por isso, publico-a.

          Sobre essa amiga, quero que saibam que ela é escritora e ocupa a cadeira nº 26, de Cecília Meireles, na Academia de Letras da Grande São Paulo. Nossa amizade, até então, simplesmente virtual, deixou de ser no dia do meu aniversário, eis que conseguiu meu telefone e me ligou. Foi uma conversa longa e gostosa, cheia de emoção e, enquanto a ouvia declamar uma linda poesia para mim, meus olhos se encheram de lágrimas e meu coração quase saltou para o exterior de tanta felicidade.

          Assim, espero que um dia possamos tornar nossa amizade, cada uma a seu tempo, pessoal, quando então, com muita alegria, darei um carinhoso, fraterno e bem apertado abraço em cada um de vocês.

"O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO"

Crônica escrita por José Antônio Oliveira de Resende
(Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei. )

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de pára-quedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
 
– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
 
– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
 
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... Casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... Tudo sobre a mesa. Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também.

Pra quê televisão? Pra quê rua? Pra quê droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam....

Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... Até que sumissem no horizonte da noite.
 
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
 
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
 
Casas trancadas.. Pra quê abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos, do leite...
 
Que saudade do compadre e da comadre!

Postado por Lilian, em 25/02/2010 - 12:30